sábado, 3 de maio de 2014

Ítaca.

Sentado, me ponho a ler, quietinho, desatencioso,
começo a voar, as palavras se tornam reminiscências,
constituídas inteiramente de um passado, de existências,
e pululo, aqui, a incapacidade de focar.

Eis, que sem concentrar, vejo o outro, mas não o leio,
ouço o outro, mas não o escuto,
escrevo, mas aqui não estou,
onde estou, afinal, ansioso,
neste vórtice que engole, e eu perdido,
me pergunto, estas palavras são minhas,
estas palavras são minhas?, como quem perde a meada, e tão logo,
não é bem recebido, marginalizado, posto de canto,
não pode ser assim,

aqui não me verão, aqui, só inverno,
repousa até virastes outra flor, que só quando floresces é que é,
de tantos tipos de flores,
as flores sofridas,
mordidas,
e um pouquinho comidas,
pairam no ar, resistindo, se alimentando da luz que vem do sol,
qual a esperança desta planta eu, minha vida,
se não, sobreviver, ir através,
e indo assim,
mares e mares vêm, e vindo, por virem, tornam sempre a vir,
divisão de mares, atravessando mares,
sendo esta toda uma viagem para Ítaca,
mas, por ventura épica, e sem mares,
eis o desespero de um marujo que não vê há muito a terra,
os olhos cheios de água, a maresia, que torna a entrar também no corpo,
a água já passa dos três quartos médios, quase à me tornar um inteiro,
à́gua viva, eu me jogo aos mares e me sinto quase fundido, eu através dele,
o mar translúcido, reluz
agora ele que me atravessa, e conduz, água viva, eis, que faço também voto de não comer,
e de fome, reviro apenas água, e torno a brincar com os peixes de luz do sol,
refletindo, e refletindo, os feixes passam, o sol passa, e a luz eu transvio, e
para lá e para cá eu vou, eu vou,
sem parar,
e sempre indo, caminho enquanto luz,
e pelo movimento demais, me desprendendo,
vir o vento, e vôo, ando e nado, agora, a dispor rajadas de ar às velas,
e as jangadas se tornam a meu serviço, do marujo,
e em direção à costa e com muita poeira, o barco atraca,
os pés de alegria atravessam o chão e a fazem esvoaçar através de mim,
que chegando tão perto, de tanta força a tanta areia, me dou por vencido,
e no chão descanso, no chão de minha nova terra, e no chão que sonhei em ver e conhecer.
eis a ilha, que agora eu compunha, tão logo minha vida por eu dela constituir,
mas minha não é palavra, uma vez que é de todos nós,
Ítaca.

3 comentários:

  1. Só vim relê-la depois de concluído, mas claramente uma inspiração.
    http://zenpencils.com/comic/131-c-p-cavafy-ithaka
    Acho que expirei um pouquinho, haha.

    ResponderExcluir
  2. i know, i know, for sure, that life is beautiful around the world

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. ... foi bem melhor a brisa, do que pensei que iria ser...)

      Excluir